ciência – Colaboratório de Infoeducação https://colabori.eca.usp.br Sat, 08 Apr 2017 15:17:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.9.8 Por uma nova engenharia – Entrevista com Sérgio Mascarenhas https://colabori.eca.usp.br/?p=325 https://colabori.eca.usp.br/?p=325#respond Mon, 12 Sep 2011 16:23:15 +0000 https://colabori.eca.usp.br/?p=325 Continue lendo ]]> Brasil precisa investir na criação da disciplina de engenharia de sistemas complexos para diminuir o atraso do país na nova área de fronteira da ciência, alerta Sérgio Mascarenhas

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – O Brasil está ficando para trás em uma área de fronteira do conhecimento, denominada “sistemas complexos”, que é tão importante como a nanotecnologia e as terapias com células-tronco, nas quais o país tem investido e em que a nova área também se aplica.

O alerta é de Sérgio Mascarenhas, professor e coordenador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

No início da década de 1970, quando foi reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Mascarenhas idealizou e lançou o curso de engenharia de materiais, pioneiro na América Latina.

Segundo ele, o país deve investir agora na criação da engenharia de sistemas que interagem entre si e que são de alta complexidade, como são definidos os sistemas complexos. Ou, caso contrário, poderá ficar muito atrás de países como os Estados Unidos, que lideram nas pesquisas nessa nova área que reúne física, química, biologia, educação e economia, entre outras especialidades.

Em 2008, Mascarenhas fundou no IEA de São Carlos, juntamente com o professor do Instituto de Química da USP de São Carlos Hamilton Brandão Varela de Albuquerque e a professora do Instituto de Física Yvonne Primerano Mascarenhas, um grupo de trabalho em sistemas complexos para contribuir para o desenvolvimento de pesquisas na área no país.

Por meio de uma associação com o Nobel de Química de 2007, Gerhard Ertl, premiado por suas pesquisas em sistemas complexos, e com um aluno do cientista alemão na Coreia do Sul, os pesquisadores brasileiros estabeleceram uma rede internacional de pesquisas na área conectando os três países.

Agora, a proposta de Mascarenhas é fomentar no Brasil a criação de um programa de pós-graduação em engenharia de sistemas complexos para diminuir o atraso do país nessa área.

Professor aposentado da USP, Mascarenhas contribuiu para a criação da área de pesquisa em física da matéria condensada no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), no fim dos anos 1950; da Embrapa Instrumentação Agropecuária, no final da década seguinte, na mesma cidade, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no começo dos anos 60.

Em 2007, Mascarenhas ganhou o prêmio Conrado Wessel de Ciência Geral e, em 2002, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.

Professor visitante de diversas universidades estrangeiras, em suas pesquisas Mascarenhas tratou de assuntos diversos, como os eletretos, corpos permanentemente polarizados que produzem um campo elétrico e que seriam utilizados mundialmente na fabricação de microfones e aparelhos telefônicos.

No início da carreira, o pesquisador se dedicou ao estudo do efeito termo-dielétrico. Mais tarde, também realizou trabalhos na área de dosimetria de radiações (processo de monitoramento de radiação emitida), o que lhe permitiu, por exemplo, medir a quantidade de radiação existente em ossos de vítimas de Hiroshima.

Recentemente, Mascarenhas desenvolveu um método minimamente invasivo para medir pressão intracraniana que recebeu apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ser difundido no Brasil e em toda a América Latina. O projeto foi desenvolvido com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).

Agência FAPESP – O que é a engenharia de sistemas complexos?
Sérgio Mascarenhas – É uma engenharia de sistemas de sistemas. O que já existe é a engenharia de sistemas, que é aplicada em logística, em transporte e em sistemas construtivos, entre outras áreas. O que não existe é uma engenharia de sistemas que interagem entre si e que são complexos. O melhor exemplo de um sistema de sistemas é a internet, onde há desde pornografia até o Wikileaks e o Google.

Agência FAPESP – Em quais áreas a engenharia de sistemas complexos pode ser aplicada?
Mascarenhas – Ela se aplica não só a materiais mas em operações financeiras e no agronegócio, por exemplo, em que há uma série de problemas que influenciam a produção agrícola. Há o problema do solo, de defensivos e insumos agrícolas, de estocagem e transporte, por exemplo, para que toda a produção da região Centro-Oeste do Brasil seja exportada.

Agência FAPESP – São sistemas que envolvem muitas variáveis?
Mascarenhas – Exatamente. Todo sistema que apresenta muitas variáveis é um sistema complexo. E isso pode se agravar se a interação entre essas variáveis for não linear. Por exemplo, no agronegócio, se dobrar a produção de milho, se quadruplicar o preço do transporte do sistema logístico frente às dificuldades das estradas brasileiras, aí aparecem as chamadas não linearidades. Então, quando se tem um sistema complexo, as variáveis podem interagir não linearmente. Elas podem se multiplicar até exponencialmente.

Agência FAPESP – O que o motivou a encampar a criação no Brasil dessa nova área?
Mascarenhas – Neste ano se comemoram 40 anos da criação do curso de graduação em engenharia de materiais na UFSCar, que idealizei quando era reitor da universidade e que é um sucesso. Agora, achei que deveria propor algo mais moderno, voltado para o século 21. A engenharia de sistemas complexos é uma área nova e muito interessante e para qual não está sendo dada a devida atenção no Brasil. Se fala bastante no país em pesquisa em áreas como a nanotecnologia e células-tronco, mas não sobre a engenharia de sistemas complexos, que se aplica a todas essas áreas e na qual não estamos formando gente.

Agência FAPESP – Como essa nova engenharia poderia ser implementada no país?
Mascarenhas – A ideia seria criar um programa de pós-graduação em engenharia de sistemas para formar professores e pesquisadores nessa área. Não existe engenharia de sistemas complexos no Brasil e não há pesquisadores no país nessas áreas nem em faculdades tradicionais, como a Escola Politécnica da USP e as Faculdades de Engenharia da USP de São Carlos e da UFSCar. O que já existe no Brasil é engenharia de sistemas, mas não uma engenharia de sistemas que interagem entre si e que são de alta complexidade.

Agência FAPESP – Por que essa nova engenharia ainda não existe no Brasil?
Mascarenhas – Porque é uma área muito nova e no Brasil há uma preocupação em “tapar o buraco” de uma porção de outras engenharias, como a de materiais, de sistemas elétricos e até de meio ambiente, e se perde o futuro tratando do passado. É um atraso muito grande da engenharia brasileira ainda não atuar em sistemas complexos. Além disso, o problema dessas áreas novas é que é preciso ter bons contatos internacionais e políticas de Estado – e não de governo – para enfrentar algo que representa um risco.

Agência FAPESP – De que modo as pesquisas nessa área no Brasil poderiam ser articuladas?
Mascarenhas – Teríamos que ter uma rede. Hoje não se faz nada, se se quer ter impacto, sem falar em rede de pesquisa. Mesmo porque ainda somos tão poucos no Brasil que se não nos juntarmos em rede conseguiremos muita pouca coisa, por falta de massa crítica. Um centro de pesquisa nessa área não pode ser sediado só em São Carlos. Outras universidades também estão interessadas.

Agência FAPESP – Há algum grupo de pesquisa nessa área no Brasil?
Mascarenhas – No Instituto de Estudos Avançados da USP, em São Carlos, temos um grupo de trabalho sobre sistemas complexos. Essa é uma história interessante porque quem ganhou o prêmio Nobel de Química em 2007 foi um cientista alemão, chamado Gerhard Ertl, por suas pesquisas sobre sistemas complexos. E nós, no IEA, fizemos uma associação com o Ertl, na Alemanha, e com um aluno dele na Coreia do Sul. Então, agora temos em São Carlos uma rede de pesquisa sobre sistemas complexos integrando Berlim, São Carlos e a Coreia do Sul.

Agência FAPESP – Quais os países que lideram nas pesquisas em sistemas complexos?
Mascarenhas – O país que está na vanguarda nessa área são os Estados Unidos, com o MIT [Massachusetts Institute of Technology], com um centro que lida muito com questões bélicas. A própria guerra é um sistema complexo, porque nela há uma série de sistemas interagindo, como o de transportes, ofensivo, estratégico e de logística, para alimentar os soldados e transportar equipamentos e armamentos. Os militares lidam com sistemas de sistemas. Aliás, se olharmos para o passado, vemos que muitas aplicações de engenharia foram motivadas pelo poder bélico, como a internet, a robótica e bombas atômica e de fusão. O grande problema da humanidade hoje é criar instituições motivadoras de inovação que não sejam estimuladas apenas pela guerra militar, porque temos outras guerras para vencer. Tem a guerra da saúde, da educação, da violência urbana e muitas outras. E a engenharia de sistemas complexos pode ser aplicada para acabar com essas guerras sociais. Se o Brasil não aproveitar essa chance para ingressar nessa área, vamos ficar muito para trás em relação a outros países.

Fonte: http://agencia.fapesp.br/14428, 02/09/2011.

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Um novo caminho para a humanidade: “Nossa inteligência está cega”! (Morin) https://colabori.eca.usp.br/?p=282 https://colabori.eca.usp.br/?p=282#respond Fri, 26 Aug 2011 13:19:49 +0000 https://colabori.eca.usp.br/?p=282 Continue lendo ]]> IDEIAS
Em palestra na Sala São Paulo, o pensador francês afirma que é preciso construir um novo caminho para a humanidade, que inclua a integração dos saberes e o equilíbrio entre unidade e diversidade

by PAULO HEBMÜLLER

Para construir um novo caminho para a humanidade e evitar a catástrofe e a barbárie, é preciso, entre outras coisas, reintegrar saberes que foram separados e ter consciência das ambivalências presentes em todas as dimensões da vida. Fazendo a defesa do “bem-viver” em contraposição ao “bem-estar”, o sociólogo, historiador e filósofo – ou “humanista planetário”, como se define – Edgar Morin plantou suas sementes de utopia para a plateia que lotou a Sala São Paulo em mais uma conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento, na noite do dia 9.

Segundo Edgar Morin: "Nossa inteligência está cega". Será preciso construir um novo caminho para o conhecimento.

Morin abriu sua fala com a crítica ao fato de que uma agência privada “rebaixar” de três para dois “A” a classificação dos Estados Unidos seja capaz de desencadear uma tempestade mundial nas bolsas de valores. “A especulação financeira dominou os Estados, as nações e os povos”, dispara. “O século 21, que não conheceu o totalitarismo do século 20, viu o desenvolvimento de um novo polvo: o da especulação financeira, de um capitalismo mais forte que tudo.” Para o pensador, a impotência dos governos dos países desenvolvidos em relação a esse quadro é total. É preciso, portanto, implantar políticas capazes de dar respostas a ele.

Morin citou o filósofo espanhol Ortega y Gasset (“não sabemos o que acontece, e é isso que está acontecendo”) para registrar que 95% dos economistas não haviam previsto a crise global de 2008 nem a sua evolução. É mais um sintoma da separação dos saberes: “Separamos a ciência econômica, a psicologia, as ciências da religião, a sociologia, mas esses conjuntos estão ligados. O modo de conhecimento que nos ensinaram torna-nos incapazes de compreender os problemas nacionais e globais. Nossa inteligência está cega”, diz.
Essa situação faz com que exista hoje uma incapacidade de enxergar as relações entre a economia e suas complexas repercussões na sociedade. “O cálculo não pode entender o sofrimento, o amor, a felicidade, as coisas mais importantes de nossa vida”, afirma Morin. Os números que estão no PIB e nas pesquisas, continua, não podem saber tudo e constituem um saber limitado e cego.

Além da supremacia da especulação e dos números, há um outro “polvo” perigoso, diz o filósofo: o do maniqueísmo e do fanatismo, que se manifesta em visões fechadas, capazes de levar a conflitos étnicos, religiosos ou nacionalistas. “Tudo isso é antigo, mas foi retomado com vigor e poder extraordinário em nossa época”, lamenta. “Tivemos agora na Noruega um exemplo extremo, mas simbólico de alguma coisa nova.”

União e divisão – Um dos paradoxos – ou ambivalências – de nosso tempo é que o mundo está ao mesmo tempo cada vez mais unificado e cada vez mais dividido. Na esteira da queda da União Soviética e “dos países pretensamente socialistas”, na virada das décadas de 1980 e 90, houve a unificação técnica e econômica do globo. Paralelamente, surgiram formas de ruptura, com fechamento e isolamento de países ou povos. Entre os exemplos estão as guerras na antiga Iugoslávia, a divisão da Tchecoslováquia e os massacres étnicos no Iraque, cita o pensador.

Muitas comunidades incorporaram os aspectos técnicos da globalização, mas se fecharam no plano político e psicológico. “A unificação tende a destruir culturas singulares e ligadas a conceitos históricos específicos”, considera. Junto à globalização, o fim do século 20 trouxe o desmonte da crença de que o progresso era uma lei histórica e que a humanidade só poderia evoluir para o melhor – crença que vigorava de diferentes formas no Ocidente, nos países socialistas ou no mundo árabe. “Em todos esses lugares houve o desabamento da esperança e o crescimento do medo e da angústia. Em momentos de crise e medo do futuro, tendemos a nos refugiar no passado e nos fechar sobre nossa identidade”, descreve Morin.

Para construir um novo cenário, defende, é preciso procurar a unidade humana em sua diversidade. “A unificação não pode ser só técnica e econômica, mas sim de cultura, de pátria e de nações. Há uma unidade humana genética, fisiológica, cerebral. Todos os seres humanos riem, choram, sofrem, amam. Mas essa unidade se manifesta em diversidade extraordinária, porque cada indivíduo é diferente do outro. Precisamos de diversidade, mas ela precisa de unidade.” A mudança inclui uma política que não divinize a si mesmo e nem veja no outro o inimigo.
A crise econômica, aponta Morin, “é apenas um aspecto virulento de uma crise múltipla que a globalização desencadeou”. No mesmo pacote estão o aumento das diferenças e a redução da solidariedade em prol do individualismo e do egoísmo. As ameaças em nossos dias vão desde o poder cada vez maior das armas de destruição em massa até a possibilidade de degradação total da biosfera. Para o filósofo, as crises nunca são apenas econômicas. A Grande Depressão de 1929 começou com o crash da Bolsa de Nova York, mas seus efeitos fizeram com que o Partido Nazista chegasse ao poder pelas vias legais na Alemanha em 1933, além de deflagrar a Guerra Civil na Espanha, em 1936, integrando todo um contexto que levou à Segunda Guerra Mundial três anos depois. “Da economia, chegou-se a uma crise generalizada para toda a humanidade”, diz. “Todos os problemas estão interligados. Nos nossos dias, a proliferação de armas de destruição em massa no contexto dos tribalismos é grave.”

Metamorfose – Para não se dizer que Morin não falou em flores, o humanista planetário considera que um dos lados positivos da globalização é permitir que toda a humanidade compreenda que a Terra é uma só pátria. “A globalização origina o melhor e o pior das coisas”, define. Como? Em muitas comunidades, explica, ela libertou as novas gerações do patriarcalismo, criou novas classes médias e gerou aumento do consumo, além de propiciar a incorporação de novas noções de direitos humanos. Ao mesmo tempo em que trouxe progresso, porém, a globalização levou à transformação da pobreza em miséria. O pequeno agricultor, ainda que tire da terra apenas o mínimo para seu sustento básico, consegue manter sua autonomia. Porém, se é expulso do campo, engrossa os cinturões de miséria presentes em praticamente todas as grandes cidades do mundo. “É preciso ter consciência da ambivalência”, repete Morin.

Mudar de caminho é necessário porque “a nave Terra está cada vez mais sendo levada sem que haja piloto ou ponto de controle da pilotagem”, diz. A nova via – que, Morin adverte, não está pronta e não se sabe ao certo como será – exigirá novas formas de política e de pensamento, mas deve incorporar elementos trazidos à tona pela globalização. “De um lado é preciso desglobalizar e salvaguardar as culturas regionais, e de outro globalizar o que colabora com a cultura planetária.” O Ocidente, exemplifica, precisa reencontrar a solidariedade das sociedades tradicionais e suas relações com a natureza, além de valorizar o que chamou de “pensamento do Sul”, que pode revitalizar o ressecado humanismo europeu.

Também se deve rever o conceito de desenvolvimento, que impõe uma fórmula padronizada a países e povos distintos. Ao mesmo tempo, é preciso envolver, ou seja, proteger o que nos situa numa comunidade específica. Novamente, Morin chama a atenção para a necessidade de considerar as ambivalências: precisaremos do individualismo e do comunitarismo; de condenação e de combinação; de desenvolvimento e redução.

Nas crises, os sistemas que mantêm o equilíbrio são bloqueados e os desvios se desenvolvem – porém, existe a capacidade da metamorfose, como ocorre com a lagarta que se encerra como crisálida e ressurge como borboleta. Um inseto que começa rastejando termina voando, mas para isso a lagarta precisa se autodestruir e dar origem à borboleta, aponta Morin. Essa possibilidade não se restringe aos insetos: cada ser humano nasceu de uma metamorfose, porque transformou-se de óvulo em embrião e passou nove meses em meio líquido “até chegar gritando ao mundo em que temos que respirar sozinhos”, compara.
Muitas vezes houve grandes mudanças que começaram com indivíduos. No campo religioso, os exemplos estão em Buda, Jesus Cristo e Maomé. O próprio capitalismo nasce dos parasitas da sociedade feudal, até que a burguesia se desenvolve e ganha poder. Os teóricos socialistas também eram ignorados quando escreveram, mas no final do século 19 suas ideias ganharam relevância e surgiram os partidos e revoluções socialistas e o que se seguiu a elas, “para o melhor e o pior”. Também para o melhor e o pior as sociedades se transformaram ao longo da história, criando classes sociais, cidades, governos etc. “A história é feita de momentos sublimes, por exemplo, na arte, e horríveis, como nas guerras e na barbárie”, lembra Morin.

Dimensão poética – Para traçar o novo caminho, que será feito no próprio caminhar, como diz o poeta espanhol Antonio Machado, citado pelo conferencista, será necessário reformular a educação, reintegrando os saberes hoje fragmentados, e levar em conta não só o aspecto quantitativo. “O quantitativo abafa o qualitativo. O viver é a qualidade poética da vida”, considera o pensador. “A vida é prosa e poesia. A prosa é a parte das obrigações, o que nos aborrece e que temos que fazer para nosso sustento. Na poesia estão a alegria, o amor, a liberdade.” Nessa perspectiva, Morin sugere que o conceito de bem-estar deve ser trocado pelo de bem-viver. “O bem-estar foi reduzido só ao conforto e aos recursos materiais e técnicos. O bem-viver inclui as outras dimensões que constituem o tecido da nossa vida”, diz.

Fácil não será, adverte, porque as relações humanas são complexas, assim como viver em proximidade e comunidade – a incompreensão reside em nós mesmos, na família, no trabalho, na universidade. “Tendemos a projetar no outro nossos defeitos, carências e culpas, e ao mesmo tempo nos inocentar”, ressalta. Porém, já há sinais dispersos de mudanças. Morin os enxerga nas medidas que muitas cidades europeias estão tomando para melhorar a alimentação, restringindo o comércio de produtos industrializados e com alto uso de agrotóxicos, e valorizando a produção local e orgânica. Em outras localidades, inclusive no Brasil, orquestras formadas nas periferias permitem que jovens reinventem sua vida com a arte. Essas pequenas experiências podem ser comparadas, em sua visão, à junção de pequenos rios que conformam um colosso como o Amazonas.

Morin diz que, ao longo de toda a sua vida, apostou no improvável – lutou, por exemplo, no movimento de resistência à ocupação nazista da França, num momento em que o avanço alemão era avassalador e a vitória das tropas de Hitler na Segunda Guerra parecia inevitável. “No improvável há a esperança. Não é certeza, mas a esperança pode ressuscitar nas novas gerações e mostrar que um novo caminho é possível”, diz. Ao responder a uma pergunta da plateia sobre o que espera da vida agora que chega aos 90 anos, esse parisiense, enfático, respondeu com firmeza e um sorriso no rosto: “Nunca tive planos. O que sou, continuo sendo. Vou continuar em minhas buscas com curiosidade, conhecimento e amor”.

Fonte: http://espaber.uspnet.usp.br/jorusp/?p=17169

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